No Hinduísmo, o termo que mais se aproxima de “escola filosófica” é dárshana, que significa literalmente “visão de mundo”. As escolas filosóficas hindus propõem, através do conhecimento (teórico ou prático) que elucidam, oferecer ao praticante uma determinada visão do mundo.

Há especulações de que a pluralidade étnica estava presente desde a Índia Antiga, onde se percebe, através dos estudos arqueológicos e outros, que aquela arcaica civilização já abarcava certos grupos que não tinham os Vedas como visão de mundo. Entretanto, num desenvolvimento posterior, o hinduismo foi enfraquecido por novas correntes heterodoxas, ou seja, que renegavam os Vedas, como o Budismo e o Jainismo. A fim de reafirmar a tradição, surge a classificação dos shad-dárshanas, termo que se aproxima muito do que conhecemos, aqui no ocidente, como escola filosófica. (FEUERSTEIN, 2005)

Os shad-dárshanas, tal como é apresentado hoje pela ortodoxia hindu, são em número de seis, sendo que o Sámkhya, que antes era uma escola filosófica, mais tarde se dividiu em dois sistemas, o Sámkhya e o Yoga. Logo, percebemos aqui que o termo Yoga pode ser utilizado tanto para designar um tipo ou espécie de disciplina espiritual, como também para nomear essa escola filosófica, que foi aceita após a sistematização do conhecimento yogue compilado por Patañjali.

As outras grandes tradições filosóficas são a MímánsáVaisheshika (filosofia natural), Nyáya (lógica) e Vedanta.  Tinoco (2005) resume cada uma delas. Mímánsá “é uma espécie de ciência escolástica sacerdotal que define os cânones ortodoxos da liturgia do Brahmanismo” (p. 48), surgindo nos Brahmanas mais recentes com o significado de discussão acerca das práticas rituais. Esta escola é politeísta e aceita a existência da alma, apontando a necessidade de libertá-la dos egos que foram gerados nas encarnações anteriores. Mímánsá possui duas linhas de pensamento, Uttara-Mímánsá e Purva-Mímánsá, foi fundada por Jaimini, e aplicada ao contexto da filosofia significa “reflexão” ou “exposição sobre o Veda”. (conhecimento dos rituais),

Vaisheshika é uma escola atomística, que defende que toda manifestação é composta por seis categorias eternas que se combinam em diferentes proporções, tornando visível o mundo fenomenal. Fundada por Kanada, prega que só se atinge o Bem Supremo aquele que pode compreender esse conhecimento complexo pelo qual as coisas se combinam e, assim, surgem, mas somente mediante um dharma particular.

Nyáya, por sua vez, é uma escola analítica e não especulativa, que contribui muito para o desenvolvimento do pensamento científico e lógico. Gautama, seu fundador, alega que o Absoluto só se atinge mediante o pensamento lógico.

Vedanta, literalmente, significa “fim do Veda”, alusão à sua localização no final dos textos védicos. O Vedanta possui a essência do conhecimento védico, acredita que tudo é Brahman, e que toda a diversidade é fruto de maya, a ilusão provocada pelos sentidos. Fugindo da especulação em relação à matéria e à evolução, o Vedanta ensina a diferença de Paramátma e átma, o Ser Universal ou Absoluto (Brahman) e a alma individual.

O Sámkhya versa uma exposição teórica a respeito do Universo e também da natureza humana, enumerando e especificando seus elementos. Esta escola foi fundada por Iswarakrishna, provavelmente no século V d.C., mas existem ressonâncias dessa teoria em data anterior, já que o Rig VedaSámkhya. (X, 221 e X, 129) fala sobre a evolução do universo de forma muito semelhante ao

Campbell (1987) expõe os dárshanas, sua literatura principal, a provável data em que foi escrito e o seu fundador.

QUADRO 1 – Informações sobre os shad-dárshanas

ESCOLA

TEXTO(s) BÁSICO (s)

DATA EM QUE FOI ESCRITO

FUNDADOR

Nyáya

Nyáya-Sutra

Séc. VII a.C.

Gautama

Vaisheshika

Vaisheshika Sutra

Séc. II a.C.

Kanada

Mímánsá

Purvamimánsá sutra

Séc. II a V a.C.

Jaimini

Vedanta

Brahma-Sutra, Upanishads e Bhagavad Gita

Séc. VIII a II a.C.

Badarayana

Sámkhya

Sastitantra (desaparecido)

Yoga

Yoga Sutra

Séc. II a.C.

Patañjali

Fonte: ZIMMER, J.C.,1987, p. 67-68

Kupfer (2001) expõe a complementaridade entre as diversas escolas de uma maneira mais compreensível aos olhos ocidentais. Explica que existem duas camadas de realidade: uma visível e outra invisível e os dárshanas, ou escolas filosóficas, são sistemas que estudam essas camadas e suas relações. Deste modo, as escolas práticas (Yoga, Nyáya e Mímánsá) não poderiam ser consideradas dárshanas, uma vez que são métodos pelos quais se atingem os dárshanas (“visão de mundo”).  Este autor defende que é impossível entender um dárshana sem estudar os demais, pois eles tratam de diferentes esferas da realidade, como ilustra abaixo:

QUADRO 2 – Os Dárshanas e a realidade

Vedanta: distingue entre o ser individual e o Ser Universal (mundo visível)

Sámkhya: estuda a diferença entre a matéria e a não matéria

Vaisheshika: observa o mundo da matéria (mundo visível)

Fonte: KUPFER, P. 2001, p. 21

Assim, há uma complementaridade entre as escolas teóricas e práticas. Falaremos apenas sobre o sistema Sámkhya-Yoga, que nos é relevante no presente trabalho. O Sámkhya, para tanto, pode ser entendido como uma explicação sobre a origem, a evolução e a estrutura do Universo, sua cosmogonia e cosmologia. Sendo assim, os princípios tratados no Sámkhya manifestam-se numa ordem que vai dos aspectos mais sutis até os mais densos. Podemos entender o Sámkhya como um sistema filosófico que explica o Universo a partir do processo da grossificação da energia. E o Yoga, por sua vez, se baseia nesta teoria para propor sua prática.  Os Tantras, que são textos filosóficos mais recentes que fundamentam as práticas de Yoga contemporâneas também partem deste principio. Nesta visão, os elementos constituintes do Universo também estão presentes no ser humano e, igualmente, são passiveis de dissolução. Patãnjali  estabeleceu oito membros que visam levar o praticante pelo caminho inverso: do mais denso ao mais sutil, até que se torne possível a confluência com Brahman, a Realidade Suprema.